A VIOLÊNCIA POLÍTICA COMO UMA DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A VIOLÊNCIA POLÍTICA COMO UMA DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Lei Maria da Penha – art. 7º

As formas de violência previstas na Lei Maria da Penha e a amplitude do conceito de violência

Prevê a Lei Maria da Penha:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física [...];

II - a violência psicológica [...];

III - a violência sexual [...];

IV - a violência patrimonial [...];

V - a violência moral [...].”

Como se vê, cinco são as formas de violência mencionadas expressamente na Lei: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. O rol é meramente ilustrativo, visto que o dispositivo faz menção à expressão “entre outras”.

Nem todas elas, entretanto, constituem uma agressão à constituição física da pessoa. Percebe-se, então, que a Lei Maria da Penha, ao mesmo tempo que restringe o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, igualmente o amplia. A restrição provém do fato de que nem toda violência contra a mulher encontra-se abrangida no âmbito de proteção da Lei Maria da Penha (somente a baseada no gênero e desde que praticada no contexto doméstico ou familiar ou em uma relação íntima de afeto); a ampliação, por seu lado, se dá em relação ao sentido da palavra violência, o qual é utilizado para além daquele estabelecido no campo do Direito Penal. É o que ocorre quando, por exemplo, a Lei Maria da Penha elenca, como violência patrimonial, a destruição de documentos pessoais da mulher pelo agressor (art. 7o, IV).

De tal alargamento, decorre que nem todas as condutas consideradas violentas pela Lei possuem um correspondente penal. É por isso que se deve ter muita atenção com o conceito de violência lá trazido. Enquanto que no Direito Penal a violência pode ser física ou corporal (lesão corporal, p. Ex.), moral (configurando grave ameaça) ou imprópria (compreendendo todo meio capaz de anular a capacidade de resistência – uso de estupefacientes, p. Ex.), a Lei Maria da Penha se vale do seu sentido sociológico; mais do que isso, utiliza-se do conceito de violência de gênero. Um ex-cônjuge, por exemplo, que cause dano emocional e diminuição da autoestima mediante manipulação, nos termos da Lei Maria da Penha, está praticando uma violência psicológica (art. 7o, II). Nesses casos, mesmo não havendo crime, uma gama de ações assistenciais e de prevenção pode ser prestada em favor da mulher, como, por exemplo, “o acesso prioritário à remoção quando servidora pública” (art. 9o, § 2o, I). O abalo psicológico que a mulher sofre, por não poder, com a tranquilidade que lhe é de direito, reconstruir a sua vida, justifica a intervenção.

Violência política - rol meramente exemplificativo do art. 7º

As cinco formas de violência mencionadas no art. 7o, como dito anteriormente, são meramente exemplificativas, podendo-se, portanto, incluir outras que não sejam mencionadas no mesmo artigo.

A violência política, quando baseada no gênero, deve aqui ser lembrada. É o que acontece na situação do cônjuge que não permite que sua esposa concorra a um cargo político. Aliás, sobre tal tema, há uma passagem histórica que merece ser registrada, ocorrida por ocasião da discussão, na Assembleia Constituinte de 1891, sobre o sufrágio feminino. Dentre tantos discursos contra o voto feminino, destaca-se o seguinte:

Deixo a outros a glória de arrastarem para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano. A observação dos fenômenos afetivos, fisiológicos, psicológicos, sociais e morais não me permite erigir em regra o que a história consigna como simples, ainda que insignes, exceções. Pelo contrário, essa observação me persuade que a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política. Demais, a mulher não direi ideal e perfeita, mas simplesmente normal e típica, não é a que vai ao foro, nem a praça pública, nem as assembleias políticas defender os direitos da coletividade, mas a que fica no lar doméstico, exercendo as virtudes feminis, base da tranquilidade da família, e por consequência da felicidade social.” (Dep. Pedro Américo, Câmara dos Deputados, sessão de 27 de janeiro de 1891 – grifou-se).

Bem se vê que o então congressista destaca características tidas por femininas para não conceder um direito à mulher.

A falta de apoio social e familiar à mulher política

Míriam Grossi e Sonia Miguel[1] asseveram que há uma resistência por parte das mulheres em se candidatar, gerada, no mais das vezes, pela resistência dos partidos políticos em dar suporte às candidaturas femininas.

Carla de Castro Gomes denuncia o fato de que “mesmo quando as mulheres lideram as pesquisas de intenção de votos, os partidos muitas vezes optam por apoiar candidatos homens, e na ausência destes, preferem apoiar candidatos de outros partidos.”[2]

Não se pode olvidar que a parcela diminuta de participação da mulher na política encontra-se intimamente ligada a questões culturais, não obstante todo o esforço e reconhecimento da importância de tal participação, principalmente a partir da década de 90, quando se intensificaram movimentos e ações concretas em prol da adoção das denominadas leis de cotas em vários países da América Latina (até 2008, oito países latino-americanos possuíam leis de cotas: Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica, Equador, México, Peru e República Dominicana).

Mas, para além das declarações legais niveladoras e das leis afirmativas, há que se imprimir um sentido diverso ao viver, sem o qual prescrições normativas permanecerão sendo interpretadas de conformidade com os valores que os aplicadores do Direito detêm, por meio de apropriações exegéticas as mais variadas e que, normalmente, não condizem com o sentido teleológico da lei, fazendo-se do Direito mera formalidade burocrática e não sítio no qual a Justiça prevaleça.


[1] GROSSI, MÍRIAM PILLAR and MIGUEL, SÔNIA MALHEIROS. Transformando a diferença: as mulheres na política.Rev. Estud. Fem. [online]. 2001, vol.9, n.1, pp. 167-206. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttextπd=S0104-026X2001000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt, acessado em 28.06.2012.

[2] GOMES, Carla de Castro. Mulheres na política: igualdade de gênero? Revista Sociologia, n.41, 2012, Ed. Escala, p. 19.


Fonte: Alice Bianchini Doutora em Direito penal pela PUC/SP. - 04/10/2014 - Portal JusBrasil

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