É PRECISO REVER A METODOLOGIA DOS PROGRAMAS DE TRATAMENTO DE DEPENDENTES DE SPA - SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS.

As alternativas de tratamento oferecidas pelo Poder Público aos dependentes de Substâncias Psicoativas (SPA), através de programas preventivos e curativos, continuam. Porém, os índices de recuperação alcançados e as barbáries praticadas contra o adolescente que recebe o tratamento, por si, só demonstram que essa metodologia tem se mostrado ineficaz. É preciso rever, urgentemente, não somente a forma como esses programas são aplicados ao público infanto-juvenil, mas principalmente o recurso humano contratado para executar os referidos programas.

Sem subestimar a necessidade de uma formação acadêmica primorosa, afirmo que há uma visível priorização pelo Estado, ao longo de décadas, por um padrão de recuperação que privilegia apenas o saber técnico e cientifico. Porém, isso não basta. É importante destacar o amor e os valores espirituais como ferramentas poderosas na cura dos males da alma, isto é, dos pensamentos e sentimentos.

Diante disso, propomos que haja maior equilíbrio entre esses dois parâmetros na metodologia aplicada no processo de restauração dos adolescentes. Reconhecemos que essa fusão acarreta mais empenho aos profissionais, sobretudo porque é mais fácil punir que tratar. A recuperação da criança ou do adolescente exige vocação de amor ao próximo, traduzida pela paciência, compaixão e capacidade de ver, ouvir e sentir o outro, de colocar-se no lugar dele e, assim, agir adequadamente. Acredito que essa forma de amar o ser humano, somada à indispensável disciplina, seja uma das soluções mais adequadas para restaurar dependente.

Uma equipe preparada faz a diferença!

Muito mais do que reconhecer o valor e a necessidade de uma equipe multidisciplinar renomada para atuar na complexidade do ser humano, principalmente do dependente de substâncias psicoativas e do adolescente em conflito com a lei, é imprescindível que esses profissionais demonstrem, na prática, vocação para cuidar de pessoas com amor incondicional. O profissional movido apenas pela necessidade de conseguir um emprego não somente onera o Estado, como também inviabiliza e compromete o esforço do Poder Público na luta para levar a cura e resguardar os direitos e a cidadania das crianças e dos adolescentes. Por isso, precisamos repensar seriamente sobre as motivações subjetivas do profissional que está sendo admitido lá na ponta para trabalhar com nossas crianças, adolescentes e jovens.

O avanço das drogas no Brasil é um fato que ainda está longe de encontrar uma solução que nos permita atingir um patamar aceitável, já que a erradicação é uma utopia. Pelo contrário, no ritmo e da maneira como o problema vem sendo tratado, em especial, pelo poder público, a problemática das drogas tende a causar ainda muitos danos, tanto para o indivíduo dependente como para as famílias e toda a sociedade. Isso ocorre não apenas porque se trata de um assunto complexo, polêmico, mas devido à irresponsabilidade e omissão de décadas por parte do Governo, que insiste em banalizar o caráter social, educacional, familiar, espiritual, de saúde pública e privada, e de segurança pública que está por trás do consumo de drogas.

Por meio da atuação da mídia, percebemos que apenas o Governo e alguns poucos renomados cientistas, pelo menos aqui em São Paulo, polarizam o debate em torno da temática da drogadição e das formas de se resolver o problema. Enquanto isso, um segmento importantíssimo, que são as Comunidades Terapêuticas (CTs), em virtude da rica experiência que detêm e principalmente pelo fato de serem precursoras de um método de atendimento exitoso, pouco ou nunca são convidadas para opinar sobre o assunto.

Quem transita por essa via conhece o desconforto que ainda existe entre a maioria dos cientistas e as lideranças das comunidades terapêuticas, principalmente devido ao componente espiritual da metodologia utilizada pelas CTs. Entretanto, hoje, em razão do absurdo aumento da demanda de pessoas de baixa renda aguardando por tratamento, o desconforto de outrora parece sabiamente ceder espaço para um melhor entendimento entre essas duas relevantes categorias. E esse fato é muito relevante, principalmente porque ambos os segmentos são imprescindíveis no atendimento às pessoas com dependência química.

Para isso é necessário um diálogo democrático entre os dois setores que operam no tratamento/recuperação de pessoas dependentes químicas, sobretudo para propor a elaboração de políticas públicas restaurativas e protetivas, uma vez que o método antigo ainda em uso pelo Estado tem se mostrado inadequado. Adotar mais uma tentativa de controlar a proliferação do uso de drogas através de tratamento/recuperação de dependentes químicos é uma urgência, tendo em vista que o uso de drogas hoje é uma das maiores preocupações da família brasileira e a maior preocupação da família paulista, segundo pesquisa feita pelo Datafolha e divulgada em 01/05/2013 por meio da matéria “Drogas na família são maior temor do paulistano”, do Jornal Folha de São Paulo.

 

Maria da Conceição Damasceno Cinti

Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em tratamento de dependentes de substâncias psicoativas e em delinquência juvenil. Palestrante e autora do blog http://educacaorestaurativa.blogspot.com.br/


Fonte: Publicado por Maria da Conceição Damasceno Cinti - - Portal JUS BRASIL -

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