AFINAL, O QUE É ESTELIONATO SENTIMENTAL?

ESTE TEXTO CONVIDA À REFLEXÃO SOBRE UMA DAS FORMAS DE DESTRUTIVIDADE DOS RELACIONAMENTOS: ESTELIONATO SENTIMENTAL

Créditos: fizkes / iStock

Cada caso pode ter seu “remédio” adequado. Há situações que uma boa conversa resolve. Há situações onde regras precisam ser colocadas. Há situações onde a única opção possa ser o desligamento definitivo desta relação. E os danos? Para muitos deles há proteção legal. E quando não há? Estelionato sentimental é uma nova forma de dano sobre o qual o legislador ainda não se ocupou e, por isso, o julgador tem se valido das normas de direito penal, doutrina e jurisprudência.

 

Estelionato é um termo jurídico e tem previsão no artigo 171 do Código Penal. A norma deste artigo identifica a prática de ato criminoso caracterizado pela fraude em contratos ou convenções, induzindo alguém a uma falsa concepção de algo com o intuito de obter vantagem ilícita para si ou para outros - venda de coisa alheia como própria, emissão de cheque sem fundos, por exemplo.

A malícia ou a utilização de artifícios manuseados pelo estelionatário busca sempre uma vantagem ilícita para si mediante o cometimento de um crime contra o patrimônio público ou privado. O estelionato pode ser praticado em relações de naturezas diversas, como por exemplo, as relações de caráter previdenciário.

Entretanto, recentemente, surgiu um novo conceito: ESTELIONATO SENTIMENTAL que, via de regra, acontece no campo dos relacionamentos movidos por amor e companheirismo. Ocorre quando um dos parceiros age com má-fé e, de forma proposital, utilizando-se do afeto alheio para obter vantagens pessoais. Comportamento, aliás, na maioria das vezes confundido com o abuso confiança ou de direito, este compreendido como sendo o exercício irregular dos preceitos legais, que permite que se assenta nos princípios de lealdade e fidelidade.

É frequente e até natural que se compreenda as relações de afeto interpessoais como embasadas na boa-fé acompanhada de obrigações e favores recíprocos. Porém, a constatação da ausência de reciprocidade, vantagens para um em desigualdade e/ou sem proveito para o outro, permite não mais pensar em abuso de direito ou de confiança, mas em estelionato sentimental. Como tal, passível de enquadramento no tipo penal previsto no Código Penal com reflexos no âmbito do direito civil. 

A perspectiva de um olhar a partir de normas do Direito Civil abre a possibilidade de postulação de indenização e/ou ressarcimento decorrente do comportamento malicioso e manipulador daquele que mostra amor com intenção de obter vantagem ilícita para si. Assim, o estelionato sentimental firma-se como matéria de reconhecimento tanto na esfera cível como penal.

 Basta que da análise do caso concreto haja a inequívoca demonstração dos requisitos cíveis para o reconhecimento do dano moral previsto no artigo 927 do Código Civil – ‘Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo’’ e artigo 186 também do Código Civil – ‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’. Também, no âmbito do direito penal, artigo 171, haja o reconhecimento da autoria e materialidade para a fixação de decreto condenatório.

Portanto, diante do que se intitulou “estelionato sentimental”, podem ocorrer condenação de natureza indenizatória pelos danos materiais e morais sofridos e condenação penal pelo ilícito praticado.

Por fim, vale ressaltar que, por ora, o que se tem são entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema que trato neste artigo e que, mesmo assim, poderá sustentar fundamentos de demanda judicial endereçada ao judiciário para o obrigatório exame do caso concreto por parte do juízo julgador.

Em 05.02.2020 foi noticiada, pela Assessoria de Comunicação do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a condenação por estelionato sentimental pela 4ª Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.  A condenação foi imposta a um homem a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma mulher, além de ressarci-la pelo prejuízo causado após a prática de estelionato sentimental. Consta nesta notícia que o Desembargador Guiomar Teodoro Borges, relator do caso, evidenciou que o ilícito civil foi comprovado. O estelionatário é reincidente em tal conduta, tendo, inclusive, medidas protetivas reclamadas por outras mulheres. Como fundamento desta decisão foi considerada, ainda, a violência psicológica praticada, que enganou sua companheira para ganhar sua confiança. Ela propiciou ao homem recursos financeiros que extrapolaram suas próprias condições financeiras, mas sempre na expectativa de ter os valores restituídos. Por conta das dívidas, o nome da vítima foi enviado às instituições de proteção ao crédito causando-lhe restrições de crédito.

O nome das partes e o número do processo e/ou recurso interposto não podem ser divulgados em razão da garantia constitucional da publicidade excepcionada no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal e, também, em obediência ao artigo 189 do Código de Processo Civil.

Enfim, cabe ao operador do direito que presta seus serviços na área especializada do Direito das Famílias, analisar sobre a existência, ou não, de comportamentos que denunciam o estelionato sentimental como forma de pleitear indenização e/ou ressarcimento na ação a ser postulada a partir dos fatos concretos relatados pelo seu constituinte.

        Em 11 de fevereiro de 2020.

        Regina Tramontini.

 

 


Fonte: Regina Tramontini

› COMPARTILHE

- OUTRAS NOTÍCIAS QUE VOCÊ PODERÁ GOSTAR -