Você já ouviu falar em Contrato de Namoro?

O Contrato de Namoro impede qualquer pretensão ao reconhecimento do namoro em união estável

Este texto nasce da leitura de um grande pensador da modernidade, Zygmunt Bauman (1925-2017), polonês, escritor, sociólogo e filósofo comprometido com a arte de analisar a fragilidade das relações e do comportamento das pessoas na sociedade dos séculos XX e XXI. Ele balizou sua percepção na volatilidade das relações e, partir disso, utilizou o conceito de liquidez como forma de caracterizar seus pensamentos e seus escritos.

 

Nessa perspectiva, pontua que nada é feito para durar e a vida tomou feições temporárias, em condições de incerteza constante. O cotidiano passou a ser vivido pelo movimento interno e incessante da ânsia por consumir com voracidade, suprimir, trocar, extinguir e modificar. Bauman admite a vulnerabilidade e a fragmentação dos sentimentos pessoais e interpessoais, em relação a coisas e a pessoas. Também voltou seu olhar para as relações amorosas e trouxe à reflexão uma angústia desenfreada pela urgência de encontrar um parceiro perfeito.

 

Aqui está o ponto de partida para a análise sobre a pertinência, ou não, do Contrato de Namoro, quando uma das partes não tem a intenção de constituir família a partir daquele relacionamento podendo consolidá-lo e estabelecer vínculo tutelado juridicamente, mediante a celebração do casamento ou o preenchimento dos requisitos que permitem o reconhecimento da união estável.

 

O namoro era a aproximação física e afetiva entre duas pessoas sem o mínimo de privacidade. Antigamente, chegava a ser fiscalizado ostensivamente pelos familiares. As conquistas  femininas, como a igualdade de condições de trabalho e o direito ao voto, foram acompanhadas da incessante busca pela satisfação nos relacionamentos afetivos também – independência, contraceptivos, aborto e, mais recentemente, em 2006, a criação da Lei Maria da Penha, são   alguns exemplos.

 

Atualmente, a liberdade para estabelecer relacionamentos é um fato social que está se distanciando do rótulo original – matrimonialista e patrimonialista. Tanto é assim que hoje o legislador estendeu os direitos patrimoniais, sucessórios, previdenciários, dentre outros à relação constituída pela união estável e não mais só às relações consagradas pelo matrimônio. No entanto, ainda permeiam o mundo jurídico e o mundo do judiciário, as relações amorosas não reconhecidas como casamento e união estável, estas com efeitos e consequências jurídicas asseguradas.

 

Trata-se da relação de namoro!

 

E qual é objetivo do namoro?

 

O que diferencia esta relação da união estável?

 

Respondo!

 

O objetivo do namoro permanece o mesmo, desde quando surgiu esta relação com maior ou menor privacidade. A circunstância que traz preocupação tanto para os namorados como para os advogados, juristas e judiciário é a forma como os casais se relacionam e o grau de intimidade, liberdade e independência que desfrutam, quando estabelecem o chamado relacionamento aberto.

 

Quando relacionamentos com tais características se estabelecem de forma duradoura, contínua, pública e com fidelidade aparente, possibilitam o estado de dúvida e reclamam a análise do fato concreto para a justa apuração das consequências jurídicas. Cada caso torna-se singular.

 

Há quem denomine de namoro qualificado quando embasado nessas características para o fim de buscar igualdade de direitos tutelados à união estável. Nem mesmo assim tais direitos serão reconhecidos, porque em qualquer relação conjugal ou derivada da união estável deve existir a comprovação inequívoca do interesse de ambos pela total comunhão de vida.

 

Ainda que sem prejuízo da análise do caso concreto, as demandas judiciais têm conferido um olhar atento à existência do affectio maritalis, objeto ensejador do contrato de namoro, com cláusula expressa de afastamento do ânimo de constituir família.

 

 Exatamente! Contrato de Namoro!

 

Esta é a finalidade de um Contrato de Namoro: afastar, por consenso, consequências jurídicas advindas de uma relação que, a priori, foi construída com base no afeto recíproco e sem a intenção de formar família.

 

Dito de outra forma, o Contrato de Namoro impede qualquer pretensão ao reconhecimento do namoro em união estável e postulações decorrentes de direitos pessoais e patrimoniais, uma vez que namoro não é uma entidade familiar constituída.

 

Não obstante, os namorados podem vir a se tornar companheiros a partir do momento que alteram o propósito da relação e, de comum acordo, assumem a relação nos moldes caracterizadores de entidades familiares concebidas em valores inerentes ao companheirismo, amor e solidariedade de tal ordem que transcendem o plano tão somente da existência afetiva.

 

Volto ao início do texto para finalizar.

 

De certa forma, Bauman ao escrever sobre a fluidez dos relacionamentos amorosos empresta fundamento que justificam a utilidade do Contrato de Namoro, tanto para os lidadores do direito, como àqueles envolvidos em uma trama de sentimento tão só de natureza existencial e efetivo.

 

Regina Tramontini


Fonte: Regina Tramontini

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